A REGENERAÇÃO DA VIDA: A UNIÃO DO HERÓI E DA MÃE TERRA
A união primordial, aquela que deve acontecer uma e outra vez, é a união sagrada dos seres místicos, que permite que o ciclo da vida continue. Na arte das culturas da costa norte peruana, é o herói Ai Apaec que faz a rota do Sol, o que se uma a mãe terra, a fertiliza, e dessa união nasce novamente a árvore da vida, e se regenera a vida nesta terra.
• Na arte do antigo Peru, uma cena impressa em relevo sobre as garrafas de cerâmica nos detalha visualmente o momento da regeneração do ciclo da vida. Se trata de um episódio da mitologia Mochica, cultura que se desenvolveu na Costa Norte peruana faz aproximadamente 1.500 anos.
• Detrás de uma viagem cheia de aventuras e conquistas perseguindo o Sol desde o mundo de cima, o Hanan Pacha se afundou no mundo escuro, o herói Ai Apaec morre e entra no mundo de abaixo, a Uku Pacha, onde habitam os ancestrais. Ali, consegue recuperar seu poder graças à ajuda de uma mulher xamã e, finalmente consegue se unir com a mãe terra. Ela, a Pachamama, o recebe e ambos copulam numa fértil união sob o arco celeste, representado pela grande serpente de duas cabeças. Uma árvore da vida cresce e conecta a terra ao céu. Esse momento é acompanhado por um grupo de três caminhantes que chegam com oferendas de água para regar e assegurar o crescimento do fruto dessa união.
• Esta cena de encontro e regeneração, de tinkuy, provavelmente representa um momento importante do calendário agrícola das sociedades do antigo Peru, quando se unem as duas forças opostas e complementares, masculina e feminina, que permitem a regeneração de um novo ciclo. Poderia se relacionar com as cerimônias andinas de fertilização agrícola por volta do mês de setembro, quando se semeia e se deve realizar a irrigação para que germinem as plantas. Também poderiam se referir ao momento em que o Sol, após ter atingido seu ponto mais extremo ao norte durante o Solstício de Inverno do Hemisfério Sul, entre 20 e 23 de junho, deve ser retido e se deve assegurar seu retorno, o qual começaria a acontecer no 24 de junho, iniciando-se um novo ciclo solar e garantindo a regeneração da vida nesta terra.
• É interessante notar as grandes semelhanças desta cena do calendário com a representação da cena de Natal que se celebra em 25 de dezembro, celebração religiosa da tradição judaico-cristã com claras alusões ao Solstício de Inverno do Hemisfério Norte, em 21 de dezembro. Uma conversação visual entre ambas cenas, nos lembra que a experiência humana através do tempo se expressou com suas particularidades culturais, mas sem perder sua essência universal.
AS REPRESENTAÇÕES SEXUAIS E OS MUNDOS DA COSMOVISÃO ANDINA
As representações sexuais na arte pré-colombiana estão vinculadas aos rituais de fertilidade, de sacrifício e de culto aos ancestrais e, são uma fonte muito importante de informação para nos aproximar a cosmovisão das sociedades do antigo Peru.
Na cosmovisão andina, os seres que habitam os diferentes mundos se relacionam e, interatuam sexualmente entre si.
As divindades ou seres mitológicos do mundo de cima
• O deus Ai Apaec copula dando origem a vida. Ele, que é um ser divino, fecunda a mãe terra, a Pachamama, representada como uma mulher e, dessa união se geram os primeiros frutos.
• De maneira semelhante, os animais mitológicos como os sapos e as onças, se unem como fazem a terra e a água, fazendo possível a vida vegetal.
Os seres humanos em este mundo
• No mundo terrenal, os seres humanos, o casal, os opostos complementários ou “yanantin”, se unem para procriar. Seu encontro, o “tinkuy” entre eles, a união entre o homem e a mulher, faz possível a regeneração da vida. Se representa inclusive ao casal com o fruto de sua união no leito.
• Os seres humanos também realizam atos sexuais que não levam a fecundação, com as felações e sexo anal, atividades que vinculam simbolicamente o mundo dos vivos com o mundo dos mortos.
Os mortos no mundo de abaixo
• Os mortos são mostrados como seres ativos sexualmente, interatuando entre eles e também com os vivos. As atividades sexuais nas quais estão involucrados os mortos não são para procriar, como as masturbações.
• A finalidade destas ações não é a fecundação, senão a emissão do sêmen, que é o líquido que fertiliza e, que deve ser oferecido a terra, onde habitam os mortos.